(HC 175.048) STF atropela o artigo 212 e decide que Juiz iniciar a oitiva de testemunhas não gera nulidade.
Como sabemos, o sistema vigente no Processo Penal brasileiro é o acusatório. Apesar de ostentar caráter meramente teórico, nosso ordenamento não permite, por exemplo, que o Juiz faça a gestão das provas, devendo tal função ficar a cargo das partes (acusação e defesa).
Em tempos não tão distantes, as perguntas das partes deveriam ser dirigidas ao Juiz presidente da audiência e este, a partir de uma deliberação rápida, decidia se a indagação seria realizada ou não. Tal realidade é muito bem evidenciada no documentário “Justiça”, que conta, inclusive, com a ilustre presença do professor Geraldo Prado, magistrado à época.
Diante de tal teratologia e da necessidade de adequação aos sistemas modernos, o Brasil passou a adotar o chamado “cross examination”, fornecendo às partes o protagonismo que lhes deveria ser inerente.
Dessa forma, foi editada, no ano de 2008, a Lei 11.690, responsável por introduzir o artigo 212 ao Código de Processo Penal.
Vejamos a redação do dispositivo.
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
Como é possível depreender do esforço legislativo constante do artigo, no Processo Penal contemporâneo o magistrado não tem mais o papel de ir atrás da prova, já que, além dessa ação ser prerrogativa do acusador, agir de tal maneira o deixa contaminado e completamente parcial.
Em verdade, configuraria uma heresia jurídica tentarmos elucidar uma matéria de relevância impar dedicando a ela poucas linhas. Outrossim, o que buscamos, aqui, é a simples contextualização da decisão do Supremo Tribunal Federal.
Ainda em sede de considerações iniciais, como não citarmos o artigo 3º - A, trazido ao Código de Processo Penal pelo vulgo “Pacote Anti-Crime”, que prescreve que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
Imperioso trazermos à baila, também, o REsp 1259482/RS, onde o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a nulidade em razão do magistrado ter protagonizado a inquirição.
Na contramão desses avanços, no entanto, foi a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal no dia de hoje (28/04/2020).
Entendendo o caso.
No episódio em tela, a 2ª Turma cuidava do julgamento do Habeas Corpus 175.048, cujo paciente fora acusado por extorsão mediante sequestro, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
A Defesa, encabeçada pelo brilhante Alberto Zacharias Toron, suscitou a nulidade causada pela inobservância do artigo 212 do CPP, defendendo a literalidade da lei no sentido de que as perguntas deveriam ser feitas, inicialmente, pelas partes, cabendo ao Juiz a complementação conferida pelo Par. Único do artigo supramencionado. Toron ainda sustentou que o Supremo possui diversos julgados que evidenciam a quebra da lógica processual ocasionada pela inversão da ordem da inquirição.
Os votos.
O Min. Marco Aurélio, de maneira acertada (conforme a humilde opinião deste que subscreve), era o Relator da matéria e, em decisão liminar, já havia suspendido o processo.
Segundo Marco Aurélio, o artigo 212 não existe apenas para se fazer de contas, mas sim para ser observado. Doravante, também afirmou que a desobediência da liturgia que o artigo impõe deixou clara a parcialidade da magistrada.
O voto do relator foi seguido pela Min. Rosa Weber, que concedeu a ordem de ofício, ordenando a repetição da audiência em que as testemunhas foram inquiridas.
A primeira divergência foi levantada pelo Min. Alexandre de Moraes, que sustentou que a superveniência do artigo 212 se deu com o objetivo de evitar que as perguntas fossem feitas, em sua totalidade, pelo Juiz presidente, como acontecia no passo.
Moraes ainda afirmou que “a alteração da ordem não afronta o contraditório”. O voto divergente foi seguido por Fux e Barroso.
Ainda veremos o final do sistema inquisitório e a real superveniência do sistema acusatório no Brasil? Aguardemos...
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